Dispute Board em Contratos de Construção

Marcelo A. Botelho de Mesquita
Advogado, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Atual Presidente da Comissão de Mediação e Arbitragem da Ordem dos Advogados de Santa Catarina.
Dedica-se a advocacia relativa a contratos de engenharia e construção no setor imobiliário e de infraestrutura  desde 2003.
Assistimos, atualmente, a um crescente emprego dos métodos alternativos e adequados de solução de disputa. Essa tendência chega ao ponto de, em países desenvolvidos, determinados setores incentivarem os agentes econômicos a resolverem suas próprias controvérsias, passando a figurar o Poder Judiciário como mero supervisor da composição alcançada. Um dos setores onde essa tendência se consolida dia a dia é o da construção. É nele que surge e se desenvolve o dispute board, que traduziremos por “comitê de resolução de disputas”, método dotado de bastante agilidade, pelo qual uma junta de experts resolve eventuais controvérsias surgidas ao longo das obras, mas sem caráter definitivo, ou seja, sem impedir que as partes, querendo, discutam o conflito pela via arbitral ou pela judicial.
Antes de tratar do funcionamento do dispute board (comitê de solução de disputas), de suas modalidades e outros aspectos práticos, é importante compreender um pouco de sua origem e razão de ser. O dispute board surgiu em 1960, nos EUA, em resposta à demanda da indústria da engenharia pesada, que buscava um mecanismo ágil, informal, custo-benefício e imparcial para solução de litígios. O seu primeiro uso reportado deu-se em Washington, na construção da barragem chamada Boundary Dam. Na década de 1970, após estudos da indústria de construção de túneis, o método foi utilizado em obra dessa natureza, mais especificamente no Eisenhower Tunnel, e os resultados positivos entusiasmaram o setor construtivo americano, que passou a replicar a modelo em todo os EUA.
Em âmbito internacional, a primeira experiência com os dispute boards data de 1980, em obra de barragem internacional realizada em Honduras. Por conta dos bons resultados, o Banco Mundial encampou o uso do comitê de resolução de disputas e, na década de 1990, impôs o seu emprego em grandes obras por si financiadas. A consagração plena do dispute board, afinal, deu-se a partir do início dos anos 2000, depois de a Federação Internacional de Engenheiros Consultores – FIDIC incorporar o mecanismo em suas famosas minutas modelo.
Hoje, nos países desenvolvidos e na comunidade internacional, julga-se ingênuo pensar que disputas em obras de engenharia possam ser erradicadas somente por meio de uma inteligente redação contratual. No setor da construção, considera-se necessário trabalhar em novos e melhores mecanismos para solução das disputas em si. A arbitragem, sem dúvida, é o método preferido para compor conflitos que envolvam elevado conhecimento técnico. Contudo, ainda que bem mais célere e especializado do que o Poder Judiciário, o procedimento arbitral costuma ser custoso e transcorre normalmente em momento distante dos acontecimentos. Para superar essas dificuldades é que se emprega o dispute board.
Embora surgido na indústria da construção, o dispute board hodiernamente recebe atenção de outro setores, e é utilizado nos mercados financeiro, securitário, tecnologia da informação, em contratos de operação e manutenção e em concessões de longo prazo.
Em termos práticos, o dispute board ou comitê de solução de disputas funciona como uma junta de experts, que se forma para resolver toda e qualquer controvérsia entre as partes de certo contrato de construção. O empreiteiro aponta um de seus membros e o proprietário (dono da obra), o outro. O terceiro membro é apontado de comum acordo pelos dois primeiros. Uma das maiores vantagens do dispute board  está em poderem as partes prever – e isso é bastante comum – que os integrantes do comitê acompanhem a obra, inclusive efetuado visitas periódicas a ela. Com isso, quando eventual controvérsia surgir, o comitê não só já possui ciência da realidade da obra, como toma contato com o problema desde seu nascimento.
São conhecidos alguns tipos de dispute board, como (i) o Comitê Revisor de Controvérsias (dispute review board); (ii) o Comitê de Solução de Controvérsias (dispute adjudication board) e (iii) o Comitê Misto de Solução de Controvérsias (combined dispute board).
Na sua modalidade “Revisor de Controvérsias”, o painel é incumbido de proferir decisões não vinculantes em forma de recomendações. Já na sua modalidade “Solução de Controvérsias”, possui a incumbência de emitir decisões vinculantes. Isto não impede que as partes levem a disputa ao Poder Judiciário ou à arbitragem, mas enquanto não o fizerem, a determinação do comitê deverá ser observada e cumprida. Por último, na modalidade “Mista”, o comitê pode proferir uma recomendação ou uma decisão conforme as partes solicitem ou os membros do board julguem mais apropriado ao caso. Os leitores podem ter a impressão de que um comitê que somente dê recomendações seja algo de pouco utilidade, mas essa é a modalidade mais empregada nos EUA, onde os aconselhamentos são em grande parte seguidos pela qualidade e contemporaneidade das decisões, o que torna baixa a probabilidade de alteração em juízo da conclusão dos experts.
Em todas as modalidades, o dispute board não possui exclusivamente a função de dar recomendações ou resolver as disputas. Objetiva-se também evitar as controvérsias. O dispute board, realmente, confere às partes um forum permanente de discussão, onde podem ser debatidas as diversas intercorrências sucedidas ao longo da obra, mantendo-se ininterrupta a comunicação entre os envolvidos no empreendimento.
Os custos para instalação do comitê de disputa giram, na média, em torno de 1% do valor total do projeto. Esse custo considera-se econômico se comparado aos gastos com despesas jurídicas do projeto, estimados entre 8% a 10%, sem contar os ônus ocultos decorrentes de litígios, danos à reputação e à relação comercial, o tempo perdido dos executivos e das demais pessoas envolvidas no projeto, assim como as perdas de futuros negócios (oportunidades).
Em estudos específicos conduzidos por universidades americanas, reporta-se o alto nível de sucesso dos dispute boards, que resolvem 98% das controvérsias sem que as partes ingressem com ações judiciais ou arbitragem. Inicialmente, tinha-se a ideia de que um grande número de reclamações seria apresentado aos experts, não se esforçando as partes para solucionar as próprias pendências. A realidade é muito diferente: para não perderem a autonomia e o poder de decisão, as partes procuram chegar a um acordo sem submeter a questão ao comitê, ao mesmo tempo em que sua presença desencoraja demandas frívolas.
Em nosso País, o uso do dispute board ainda é recente e não há muitos casos registrados. Para aqueles que se interessem pelo assunto, um relato da mais notável experiência que possuímos em solo nacional, envolvendo as obras do Metrô de São Paulo, foi recentemente publicado em livro dedicado ao tema (CRD – Comitê  de Resolução de Disputas nos Contratos de Construção e Infraestrutura, Ed. PINI, 2016). No último ano, ainda, o Superior Tribunal de Justiça tratou da legalidade e da eficácia dos dispute boards (REsp nº 1.569.422/RJ, julgado em 26/04/2016, Publicação DJe 20/05/2016). A despeito de a decisão não ter por foco principal o comitê de solução de disputas, o fato da mais alta corte infraconstitucional ter se debruçado sobre o tema demonstra sua importância.
Em suma, mesmo não sendo o único método alternativo para conflitos de contratos de construção – os ingleses, por exemplo, conhecem a adjudication, outro interessante mecanismo – o dispute board é hoje entendido como um dos melhores, senão o melhor, deles. Há quem o designe como a estrela mais brilhante dos métodos alternativos de resolução de disputas. A sua história nos mostra uma tendência mundial em prol dos mecanismos alternativos de solução de controvérsia, que podem e devem ser conhecidos pelos operadores do direito e agentes econômicos da construção civil para melhorar a forma de resolver as inexoráveis disputas de obra.
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