Osvaldo Agripino de Castro Junior
Advogado (UERJ, 1992) e Doutor em Direito (UFSC, 2001). Especialista em Direito marítimo, Direito portuário e contratos internacionais, sócio do Agripino & Ferreira e membro da lista de árbitros da Camediarb – Itajaí, da CAMFIEP, CBAM (Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima), Rio de Janeiro, dentre outras. Expert witness em arbitragem (CIESP, FIESP).
Qual o papel dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos para o comércio exterior? Com 35 anos de comércio exterior e quase 25 anos como advogado e pesquisador dos problemas do setor, afirmo que está cada vez mais difícil e caro resolver conflitos e, portanto, gerenciar os riscos no setor. Os custos de transação aumentam sobremaneira quando as empresas não tomam cautelas. Mas há possibilidade de reduzir tais riscos: os MASCs (Métodos Adequados de Solução de Conflitos).
Como o próprio nome indica, os MASCs são instrumentos facilitadores de resolução de litígios, impasses ou conflitos, aplicados fora do Poder Judiciário, que objetivam promover a pacificação social do conflito existente entre as partes. Os principais métodos são: a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem. Neste artigo, tratarei somente da arbitragem.
A arbitragem é cabível para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1° da lei 9.307/1996). Grande parte dos problemas da logística decorre de defeito na prestação de serviços do transportador marítimo ou do terminal portuário, bem como da interveniência dos órgãos que atuam no comércio exterior.
Citarei dois simples casos envolvendo Direito marítimo, área em que atuo desde 1981, tendo em vista a minha experiência como oficial de náutica (piloto) a bordo de navios no longo curso (tráfego internacional) durante quatro anos.
Entendo que é relevante para que se possa ter a dimensão da importância dos MASCs na solução de conflitos.
Caso 1 – Tempestade com dano à carga. Quem decide? Qual lei a ser usada? Cabem as excludentes de responsabilidade civil?
Uma simples transação comercial pode facilmente envolver pessoas físicas e jurídicas de 15 países, tais como um navio de (1) propriedade grega, registrado no (2) Panamá, com seguradora do (3) Reino Unido, construído na (4) Coreia do Sul, que pode ser afretado para um operador (5) nigeriano, que emprega tripulantes (6) filipinos e (7) croatas via agente (8) chipriota.
Esse navio transporta oito contêineres de exportadores da (9) Alemanha, em nome de um freight forwarder (10) suíço através de um porto na (11) Holanda para a (12) Argentina por meio de operadores de (13) Hong Kong e (14) Austrália.
No navio acima houve uma tempestade que causou avarias simples em cargas de oito contêineres do importador argentino. Nesse caso, quem seria responsável para julgar o conflito? Qual legislação a ser aplicada? Seria possível o transportador usar as excludentes de responsabilidade civil como caso fortuito ou força maior para se isentar da sua obrigação com fundamento numa cláusula do conhecimento de embarque marítimo – Bill of Lading imposta unilateralmente pelo armador?
Caso 2 – Maçãs podres – Insegurança jurídica e morosidade
Uma empresa exportadora de maçãs de Lages (SC) vendeu cerca de 9.000 caixas da fruta em sete contêineres para a Europa. Para tanto, contratou um armador por meio de um agente e entregou a carga no porto de Itajaí.
Embora tenha cumprido os requisitos fitossanitários para que a carga fosse entregue no navio com 0º Celsius, e informado tal característica ao agente, durante a viagem a temperatura aumentou e a carga, embarcada em 08/03/2001, pereceu.
Assim, o exportador teve um prejuízo de R$ 232.472,000 na data do evento danoso. Ele poderia ter resolvido o conflito de forma rápida e eficaz por meio de conciliação, mediação ou arbitragem, caso as três empresas requeridas concordassem, por que o contrato de transporte não possuía cláusula compromissória, mas decidiu acionar no fórum da comarca de Itajaí em 3/05/2002 o armador, o agente e a empresa de refrigeração.
A audiência de instrução se deu em 9/11/2006, ou seja, quatro anos e meio após a distribuição. A sentença de primeiro grau não julgou procedente a indenização e foi publicada em 29/09/2009: sete anos e dois meses após o início do processo.
Felizmente, após recurso do exportador, o Tribunal de Justiça de SC reformou a sentença em 23/06/2015, ou seja, 13 anos após a distribuição, mas houve recursos para o STJ. Já transcorreram quase 14 anos e o caso ainda não terminou. Como justificar tal prazo?
Esse caso é somente um entre os milhares que tramitam no Judiciário com avarias no shipping. Apesar de o Poder Judiciário tentar agilizar os processos, cabem alguns questionamentos: como gerenciar esse risco? Como reduzir tais custos e tempo para solucionar o conflito? Como aumentar a previsibilidade dessas decisões? Os MASCs, como mediação, conciliação e arbitragem podem contribuir?
Afinal, quem mais sofre com a ineficiência do Estado e do sistema judicial é a maioria das empresas, especialmente as pequenas e médias, embora possa ser diferente.
Nesses casos é importante que a decisão seja feita por especialistas, com menor custo, previsibilidade e de forma rápida, evitando-se a judicialização por meio dos MASCs, num primeiro momento. Esse procedimento pode ser feito numa câmara arbitral.
É essencial que o importador ou exportador procure meios mais eficazes para reduzir os seus custos de transação, especialmente aqueles relacionados à compra e venda, ao transporte e à operação portuária. Um conflito sem solução por especialistas e em prazo razoável (menos de dois anos) pode colocar as finanças da empresa em risco.
É necessário e urgente, portanto, que as empresas ampliem o uso dos MASCs no comércio exterior. Com tal mudança de cultura, espera-se o aumento da eficiência da logística e da competitividade dos produtos que passam pelos nossos portos e são transportados por navios. Para o prestador de serviço – armador, agentes intermediários – o sistema tradicional de solução de conflitos, via Poder Judiciário, não beneficia as suas operações, como já demonstrado neste artigo, dentre outros motivos.
Por fim, é preciso que as empresas de comércio exterior se sensibilizem acerca da relevância dos MASCs nas suas operações logísticas e de compra e venda internacional, com a inclusão de cláusulas escalonadas (conciliação e arbitragem) nos seus contratos, caso não desejem mais “ficar a ver navios”.
20
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