Lendas e Mitos na Arbitragem e na Mediação: Arbitragens só para grandes causas e Mediação só para pequenas causas?

O ano de 2015 trouxe ao país um incremento considerável na área de solução de conflitos, com a promulgação de leis que já eram há muito ansiadas, não só por aqueles que atuam nesta seara, mas principalmente pela sociedade brasileira, que acompanha, estupefata, o número crescente e incontrolável de processos judiciais em andamento.
Neste mês de setembro de 2015, A Associação Nacional dos Magistrados lançou o “processômetro”, para medir, em tempo real, o volume de processos que estão tramitando em todos os setores e instâncias judiciais de todo o país. E logo de início, o contador saiu apontando mais de 105 milhões de processos e dentre estes, segundo as estatísticas, em torno de 42 milhões seriam ações “injustificadas” ou seja, poderiam ter sido evitadas, caso as leis fossem cumpridas ou houvesse uma efetiva fiscalização que contornasse a necessidade do que se discutir na justiça.
Segundo este medidor ainda, a cada 5 segundos uma nova ação é proposta. Só por este número, se pode ter ideia da real situação da Justiça Brasileira: se temos um processo a cada 5 segundos, é necessário que a cada 5 segundos também seja decidido um processo, para que assim os tribunais “zerem” suas prateleiras e escaninhos. Sabemos que isto é totalmente impossível, por melhor que fossem (e não são) as condições de trabalho humanas, tecnológicas e processuais.
Chama a atenção ainda, o ranking dos maiores promotores ou causadores deste número estarrecedor de processos: Poder Público, que cobra IPTU e IPVA, bancos e instituições financeiras, empresas de telefonia e comunicações.
Não se divulgou a proporcionalidade destas ações em relação às demais, porém, com absoluta segurança, pode-se afirmar que são, pelo menos, metade destes 105 milhões de processos.
Com esta iniciativa, a Associação Nacional dos Magistrados quer sensibilizar a sociedade para um fenômeno que ocorre desde sempre em nosso país: o alto grau de litigiosidade que impera nas relações, sejam as comerciais, pessoais, contratuais e até mesmo nas “emocionais”.
Além disso, o tal do “processômetro”, acaba por inverter a situação: não é o Poder Judiciário o “culpado” pela ineficiência da prestação jurisdicional, pela morosidade, para falta de efetividade das decisões, pela insatisfação do jurisdicionado, pelo sentimento de impunidade que assola o nosso país, pelo descrédito da população em relação ao termo “justiça”!
Não! Os culpados somos todos nós, cada um de nós, que ingressa, ou se deixa ser processado, a cada 5 segundos, e com isto entupimos e congestionamos as vias judiciais com toda sorte de processos. O problema agora, é do jurisdicionado, seja ofendido ou ofensor, que, ou deve parar de ingressar com mais ações, ou deve descubrir fórmulas que permitam diminuir esta estatística assustadora!
Tal como se apurou, neste “processômetro”, a quantidade de processos que “não deveriam estar no Judiciário”, poderia ter sido aberto mais um contador: a dos casos que caberiam ser resolvidos por uma forma extrajudicial de solução de conflitos. E o resultado seria tão surpreendente quanto o número total apontado. E o Poder Judiciário se alegria de ver, pelo menos em tese que as prateleiras e escaninhos poderiam sim sofrer reduções drásticas em seus estoques de processos. E a população deixaria de ser culpada pelo abarrotamento de causas. E todos nós, pessoas físicas, jurídicas, poder público e poder judiciário nos sentiramos felizes por termos como solucionar conflitos de forma pacífica, civilizada, responsável e eficiente!
Neste contexto, e diante do tema proposto, sabe-se que são várias as formas extrajudiciais que possibilitam a solução de conflitos extrajudicialmente, de forma consensual ou adversarial, no que tange à via eleita, embora sempre consensual na escolha da forma, dado o princípio insuperável da autonomia da vontade das partes.
Sendo embrionária, ainda, a efetiva implantação e institucionalização das Resoluções Adequadas de Disputas no Brasil, há um grande caminho a ser desbravado, como por exemplo, no sistema Multidoors, originário dos países anglo-saxônicos, com inúmeras possibilidades e técnicas que proporcionam soluções pertinentes ao conflito específico.
A proposta deste sistema, já operante há muitos anos naqueles países, é de uma Corte de Justiça “multisetorial”, onde, antes do ingresso da ação, o caso seria avaliado e conduzido a uma determinada via, judicial ou não, para a sua solução, sem prejuízo da própria parte, por si, ou por seu advogado, eleger esta via, extrajudicial, justamente com o objetivo de ter maior agilidade e não recorrer sempre ao Judiciário.
Segundo Mônica Sifuentes,[1] “A principal característica do novo sistema está no seu procedimento inicial: ao se apresentar perante determinado tribunal, a pessoa passa por uma triagem para verificar qual processo seria mais recomendável para o conflito que a levou ao Poder Judiciário. Pode, assim, ser direcionada primeiramente para a porta da Administração Pública ou, então, para a porta dos conciliadores extrajudiciais, antes de ser encaminhada à Justiça.”
No Brasil, contudo, para a implantação deste sistema, tal como os Métodos hoje mais conhecidos e já praticados, necessitará de uma ampla “aculturação”, e ainda também porque toda uma estrutura terá que ser criada, tanto pelo Poder Publico quanto pela iniciativa privada, a fim proporcionar aos usuários gamas de opções.
Felizmente, como o start desta nova e grandiosa fase na esfera de Solução de Conflitos, já temos institucionalizados e consolidados, os institutos da Arbitragem e da Mediação em nosso país.
Não foi um caminho fácil até chegar aqui. Há 19 anos, com a promulgação da Lei da Arbitragem, n. 9.307, em 25 de setembro de 1996, quebrou-se o primeiro grande paradigma, o de que somente ao Poder Judiciário competia decidir e julgar conflitos.
Neste ano de 2015, finalmente com a sanção das Leis do Novo Código de Processo Civil (13.105, de 16 de maio); da Atualização da Lei de Arbitragem (13.129, de 26 de maio) e da Mediação (13.140 de 29 de junho), mais paradigmas foram rebatidos, sendo o principal deles o de que ao Poder Judiciário só incumbia decidir e julgar conflitos, “aplicando-se a lei” sem se preocupar com a efetividade e a eficácia das decisões e ainda com a satisfação dos jurisdicionados.
A quebra destes paradigmas precedeu uma necessária e corajosa desconstrução e reformulação de conceitos e posições por parte do próprio Poder Judiciário, que, ao editar a Resolução 125[2] através Conselho Nacional de Justiça, reconheceu que:
“Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.” (artigo primeiro, parágrafo único)
Já dizia Maquiavel[3] que “Não há nada mais difícil para assumir, mais problemático para conduzir, o mais incerto de sucesso, que liderar a introdução de uma nova ordem, porque inovação faz inimigos aqueles que se deram bem nas condições antigas, e apenas defensores mornos entre aqueles que poderão se dar bem nas novas”
Não foi diferente com a introdução dos institutos da Arbitragem e da Mediação no sistema sócio-jurídico brasileiro, pois, conforme ressaltado pela Associação Nacional dos Magistrados, o sentimento de litigiosidade dentro de cada um de nós é muito forte, além do que, embora sob o manto da democracia, temos uma submissão cega aos preceitos estatais paternalistas, no que se refere a solução de conflitos, pois sempre esperamos, mesmo que desacreditado, que o Estado garanta a todos, “o livre acesso à justiça” cuja promessa é registrada no artigo 5º., inciso XXXV da Constituição Federal da República.
Assim, com o surgimento destas formas extrajudiciais tão adequadas de solucionar conflitos, talvez como forma de negação, justificação e defesa à “zona de conforto”, inúmeros mitos e lendas foram criados com o intuito de frear a consolidação, senão a própria existência, da mediação e da arbitragem no Brasil.
“ Há uma frase em inglês que serve para descrever muitos dos nossos contemporâneos – críticos de poltrona. São aqueles que se tornam expertos assistindo às situações ou à televisão, de conforto de sua poltrona. Sabem criticar duramente e com todas as razões, o estado das coisas. Infelizmente, na hora de uma ação prática, em prol de uma mudança positiva, eles se distinguem pela ausência. A questão da postura interna que adotamos diante das pressões e tendências, é sem dúvida, o diferencial entre sucesso e fracasso”, observa Ken O´Donnell.[4]
Neste momento, para contextualizar a superada resistência aos Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos, é necessário conceituar o que se entende por mito ou lenda.
Ambos são provenientes da criação da mente humana, oriundos em parte do imaginário, ora de vivências ou de heranças mentais de seus ancestrais ou mesmo de tradições culturais, com o objetivo de explicar fatos ou situações ocorrentes em determinada época e circunstância.
A lenda mistura fatos verdadeiros com situações irreais ou imaginárias. Parte de uma premissa existente, mas acrescentando-se componentes extraordinários, para criar uma justificativa, se transmite de geração para geração, e  sofre modificações ao longo do tempo.
Já o mito é decorrente da criação dos povos mais antigos, que, ante a ausência de conhecimento satisfatório de fenômenos naturais ou acontecimentos que não podiam ser justificados, acabavam criando personagens e visões imaginárias para explicar tais situações, sem a preocupação de ter confirmadas estas afirmações.
Todas as culturas, portanto, tem seus mitos e suas lendas, que se transmitem pelas suas civilizações e passam a ter força de verdade. Alguns deles são inofensivos, inexpressivos, e por isso se mantém ao longo dos séculos, sem maiores consequências. Outros são calamitosos, por vezes até ofensivos e com a evolução natural das culturas e seus integrantes, passam a ser questionados, desmistificados e então eliminados.
Na arbitragem e na mediação, temos lendas e mitos, alguns mais antigos, outros recentes e deformados e, antes que se propaguem ainda mais, é preciso eliminá-los, ou pelo menos corrigi-los.
Baseados não em fantasias ou crenças despidas de sustentação ideológica, mitos e lendas em torno da arbitragem e da mediação, servem, na maioria das vezes, para dar sustentação a posicionamentos ultraconservadores e a completa falta de conhecimento sobre estes institutos e, em parte, se deve admitir, a ignorância é uma grande e cômoda propulsora das inverdades, que, se repetidas muitas e muitas vezes, são aceitas e tomadas como verdadeiras.
Entre estas inverdades, ou pelo menos, o que equivocadamente é interpretado por alguns, é a lenda que se criou em torno da aplicabilidade da arbitragem para “grandes causas” enquanto que a mediação seria destinada “às pequenas”.
Antes de mais nada, é importante refletir acerca do “valor” de cada causa, pois neste ponto já poderá incidir um erro de interpretação, a final, a quem é dado o direito, ou a prerrogativa de precificar o  “valor”? Que não é só  puramente financeiro ou  econômico, e que pode englobar importância inestimável ao seu titular.
Ao se taxar uma causa de “grande” ou “pequena”, corre-se o risco de incorrer em grande injustiça, porque, “quem sabe da sua importância é aquele que sente a dimensão de sua dor”.
Como diz Damiano[5] , decano da advocacia e entusiasta da arbitragem e da mediação, “não existe causa grande ou pequena, mas sim, uma boa causa!”
E, partindo deste princípio tão lúcido, não se pode categorizar simplesmente este ou aquele litígio como “grande” ou “pequeno”, até porque o ponto de partida para a opção pela arbitragem ou pela mediação, começa com a autonomia da vontade das partes, princípio basilar dos institutos extrajudiciais de solução de conflitos.
A partir do momento em que assim se opta por uma destas formas, outros requisitos devem ser sopesados, para então, se verificar qual entre tantos os métodos é o mais adequado à solução do conflito que já se apresenta, ou, eventualmente poderá se apresentar num futuro imprevisível.
Até o ano de 2001, quando finalmente o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento da constitucionalidade da Lei de Arbitragem no julgamento de recurso em processo de homologação de Sentença Estrangeira (SE 5.206), o número de Câmaras de Mediação e Arbitragem realmente não era expressivo aqui no Brasil, e sabe-se por qual motivo: antes da Lei 9.307/96 a legislação arbitral pátria era ineficiente e inexpressiva, e as poucas arbitragens que aqui ocorriam, na sua grande maioria, advinham de partes estrangeiras, e os procedimentos eram regulados por Convenções e regras não nacionais.
Por consequência desta lacuna legislativa, a população em geral sequer conhecia o instituto da Arbitragem, e as questões aqui resolvidas por esta via, envolviam contratos de expressivo valor, eis que, conforme dito alhures, referiam-se a empresas de alcance internacional.
A partir de 1996, com a chegada da Lei 9.307/96, e mais especificamente a partir do decreto de sua constitucionalidade, instalou-se o fenômeno da “popularização” da arbitragem, eis que, alertada, a sociedade brasileira, ávida por mais celeridade e efetividade na resolução de seus conflitos, interessou-se sobremaneira por esta nova possibilidade.
Pode-se afirmar, portanto, sem sombra de dúvidas, que o Instituto Arbitral, no Brasil, tem dois momentos: o “AL” e o “DL”, ou seja, “Antes da Lei” e “Depois da Lei”, pois nem mesmo os seus autores[6] teriam imaginado o alcance e repercussão que a Lei 9307/96 traria para o Brasil.
Enfatiza Barral[7] que “a globalização econômica, e o desenvolvimento do comércio internacional, favorecem à utilização da arbitragem. Afinal, é sobretudo nos contratos internacionais que a cláusula compromissória é inserta com mais frequência, em razão do receio de um contratante em submeter à ordem jurídica do outro contratante. Tal comportamento pragmático não revela, entretanto, qualquer caráter intrinsecamente neoliberal da arbitragem, nem serve de fundamento ao mito ideológico que se formou em torno do instituto”.
Este, portanto, foi apenas “um lado da moeda”, quando se buscou, de forma magistral, a revitalização da Lei da Arbitragem.
O “outro lado”, que se apresentou imediatamente, foi a necessidade interna, e que há muito se apresenta, de buscar por formas mais ágeis de solucionar conflitos, além do que, não se pode desprezar, representa um evolução natural da sociedade, que passa a perceber, a importância de se obter “meios mais razoáveis de terminar os litígios entres os cidadãos.”[8]
Eis que, com a “nova arbitragem”, surgem também, “novas Câmaras”, atualizadas e preparadas para atender um novo segmento, a chamada “arbitragem doméstica” ou “interna”, com perfis de conflitos bem diferentes daqueles que até então as Câmaras tradicionais estavam acostumadas a administrar. Questões do dia-a-dia, entre pessoas físicas e físicas, ou jurídicas, ou ambas, decorrentes dos mais variados setores, como locação, compra e venda, prestação de serviços e por aí afora.
Muitas destas questões, obviamente, sequer possuíam, à época, cláusula compromissória, e o início da arbitragem se dava mediante “convite” à parte contrária, para comparecer a uma audiência inicial e firmar o Termo de Arbitragem, ou Compromisso Arbitral, como a própria lei designa (e tal fato, para os arbitralistas ultra conservadores, era outra “lenda” a ser superada!).
Na maioria das vezes, as partes convidadas compareciam, firmavam o compromisso e não raro conciliavam-se. E saiam dali, já com a informação de como inserir cláusula compromissória em seus contratos. E se tornavam então, clientes das Câmaras. E em outras situações, voltavam, agora como requerentes, e outros processos davam início.
Atualmente, a realidade é bem mais animadora: a maioria dos procedimentos arbitrais inicia-se pela força da cláusula compromissória. As partes já estão mais cientes das implicações de se optar por esta via e também se esforçam mais para celebrar acordos. Com isto, os serviços das Câmaras tem aumentado consideravelmente. Que o diga Santa Catarina, berço de boas Câmaras Arbitrais, atuantes há mais de uma década, e que administram procedimentos vindos dos mais diversos setores: imobiliários, financeiros, consumieristas e tantos outros.
Para atender a este perfil de demandas, as Câmaras tem se adaptado com maestria, e estipulado custos de administração e percentuais de honorários dos árbitros em valores compatíveis, que viabilizam o acesso das partes ao mesmo tempo em que garantem a sustentabilidade destas entidades e remuneram condignamente os profissionais envolvidos.
Ao contrário do que se pensava, a arbitragem tornou-se acessível para a solução destes conflitos de menor valor e garante, em muitas situações, não só uma redução drástica de custos, como também minora prejuízos que poderiam advir da demora de um processo judicial.
O patamar de oitocentos mil reais, mencionados por Selma em recente palestra[9], como sendo o valor mínimo ideal para se instituir uma arbitragem foi ampliado por alguns “zeros a menos”: questões envolvendo valores de oito mil reais, por exemplo, são frequentes em Câmaras de Arbitragem de várias partes do Brasil, e são resolvidas de forma satisfatória, quer seja por sentença ou por acordo.
Tome-se por base uma ação de despejo por falta de pagamento de aluguel, no valor mensal de R$ 1.000,00. Uma ação judicial com este objetivo, com muita boa vontade e empenho do advogado se efetivaria em, no mínimo, dois anos (e não vamos considerar aqui incidentes processuais, recursos protelatórios etc). Seriam R$ 24.000,00 de passivo, somente no decorrer do processo.
Na arbitragem, um procedimento destes não poderia levar mais que três meses. Repita-se: três meses, para se obter uma sentença de despejo. E outros três, na esfera judicial para a execução (despejo forçado). R$ 6.000,00, portanto, de aluguéis impagos.
A Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville, por exemplo, cobraria de custas iniciais, mais taxa de administração e honorários de árbitro em torno de R$ 1.000,00 (equivalente a um aluguel).
As custas judiciais, para este procedimento, ficariam em torno de R$ 300,00, abaixo das custas de arbitragem. Mas devemos considerar, neste cálculo, o “custo-benefício”, porque ele é o mais impactante: ninguém deixaria de pagar R$ 1.000,00 para ter uma solução em um quarto do tempo mais rápido, do que pagar R$ 300,00 e ter que esperar, no mínimo, 2 anos!
No ano de 2012, a autora da Lei de Arbitragem[10] demonstrou que um procedimento arbitral era até 59% mais barato que um processo judicial. Esta constatação, de fonte super fidedigna, e de quem fala com total conhecimento da causa, já demonstrava, por si só, que realmente é uma “lenda” que os custos da arbitragem são elevados, e consequentemente o alcance desta serve apenas para causas de expressivo valor.
E é por isto que a sociedade, em geral, vem buscando resolver seus conflitos desta forma. E não só pela vantagem do “custo-benefício”, mas também por outros motivos relevantes: a simplicidade do procedimento, a possibilidade de ser ouvido, de se manifestar e também de ouvir a outra parte; a maior possibilidade de celebração de acordos; o tão necessário sigilo do processo arbitral, que além de preservar a imagem e o assunto, também proporciona a manutenção das relações entre as partes que estavam estremecidas e que por muitas vezes restauram este relacionamento.
E na mesma proporção, inversa, outra lenda se criou em torno da mediação: só para “pequenas causas”! Em parte, esta falsa premissa se explica pelo forte apelo da mídia, que ao divulgar esta “boa nova” forma de resolver conflitos, sempre usa de exemplos tão corriqueiros, como “briga de vizinhos”, “inadimplência de condomínio”, “colisão de trânsito”, entre outros, que quase consolidou a imagem da mediação como via de solução de pequenos conflitos, justificando que nestas questões tudo se resolve pelo diálogo.
Mas não é bem assim… Tal como a arbitragem, o instituto da mediação, somente agora normatizado pela lei 13.140, de 29.06.15, e também introduzida no novo Código de Processo Civil, vigente a partir de 16.03.16, pouco espaço ocupava na vida dos brasileiros, se comparado ao estrondoso número de ações judiciais. Este quadro, no entanto, está prestes a mudar, face a institucionalização da mediação, não só no âmbito extra, como também no judicial.
A mediação foi introduzida no Brasil de forma bem gradativa, sendo mencionada em legislações esparsas e praticada empiricamente em projetos pilotos, na esfera judicial, e na maioria das vezes em questões trabalhistas, comunitárias e familiares. Está diretamente ligada ao movimento de acesso a justiça desenvolvido nos anos 70, e, na esfera judicial, foi introduzida como “conciliação”, nos antigos “Juizados de Pequenas Causas”, que depois passaram a ser “Juizados Especiais”, como explica o Guia de Conciliação e Mediação[11]:
“A mediação, como elemento característico dos juizados de pequenas causas nos Estados Unidos, fortemente influenciou o legislador brasileiro a ponto de este incluir a conciliação em seu sistema dos Juizados Especiais. Todavia, a autocomposição prevista pelo legislador brasileiro na Lei n. 9.099/1995 se distinguiu significativamente daquela prevista no modelo norte-americano em razão de dar menor ênfase as técnicas e ao procedimento a ser seguido, bem como ao treinamento (e.g. nos juizados de pequenas causas em Harlem, NY, os mediadores recebem curso de 30 horas/aula exclusivamente sobre técnicas de negociação e mediação) e, atualmente, ao maior componente transformador das mediações.”
Com grande ênfase dada pela mídia sobre “casos cotidianos resolvidos pela mediação”, e aliado ao fato de que muitos projetos se desenvolvem em Núcleos de Prática Jurídica das faculdades, onde se atendem pessoas de baixo poder aquisitivo, a mediação vem sendo divulgada como um meio de se resolver conflitos de pequena monta, ou de menor complexidade.
Esta ideia que se transmite da mediação, no entanto, não corresponde a realidade. No Brasil e no mundo, casos de grande repercussão e de vasta amplitude social são resolvidos pela mediação, só que, muitas das vezes, de forma bem discreta, justamente porque, a confidencialidade é uma das características deste meio consensual de solução de conflitos, e a menos que as partes façam a divulgação, não haverá publicidade alguma sobre o resultado.
A título exemplificativo, podemos citar os casos brasileiros dos acidentes aéreos ocorridos com o voo da TAM 3054, no ano de 2007 e o da Air France em 2009, que vitimaram várias pessoas, e, para a obtenção de propostas de indenização às famílias, participaram, além das empresas, as seguradoras, o Ministério da Justiça e o Procon, todos com o objetivo de estabelecer o diálogo em busca de uma solução reparatória que atendesse de forma menos traumática os anseios dos beneficiários.
E também um caso recente, no ano de 2014, envolvendo uma situação de interesse coletivo, sobre a falta de água no estado de São Paulo, onde se discutia a possibilidade de captação de água do Rio Paraíba do Sul para o abastecimento do Sistema Cantereira.
Segundo noticiou o setor da imprensa do Supremo Tribunal Federal[12], “No encontro, os estados se comprometeram a dar prosseguimento à busca de uma solução conjunta para o problema de falta de água no Sudeste, vedada qualquer alteração da situação atual por atuação abrupta e unilateral das partes. Também decidiram que nenhuma das unidades da federação pode adotar medida unilateral capaz de reduzir a vazão da água de qualquer um dos estados, sendo que eventual medida nesse sentido somente poderá ser adotada após anuência conjunta dos três governos.
E ainda, “O ministro Luiz Fux demonstrou plena satisfação com as conclusões da audiência de mediação. “O Brasil é uma república federativa composta da união indissolúvel dos estados e isso foi demonstrado hoje através da perfeita harmonia que se revelou na reunião em que os governadores manifestaram desejo mútuo de se autoauxiliarem para resolver o problema hídrico no Sudeste. Mais uma vez reafirmamos que a melhor forma de resolver um litígio é a composição”.
Tanto a arbitragem como a mediação, portanto, não podem ter sua aplicabilidade avaliada simplesmente pela “aparência” do valor do conflito. Mais do que isto, o método sugerido deve ser sempre da adequabilidade, considerados os atores envolvidos, o alcance da controvérsia e as circunstâncias fáticas específicas.
Afinal, a simplicidade de tais meios de solução de conflitos, bem como sua alta eficiência e eficácia, não recomendam nenhum tipo de rotulação, a não ser a plena liberdade de escolha e a finalidade pacífica a que se dedicam.
[1] http://jus.com.br/artigos/8047/tribunal-multiportas#ixzz3lctGL5an
[2] http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579
[3] Maquiavel, O Príncipe
[4] Ken O`Donnell, Raízes da Transformação, pág. 24
[5] Damiano Flenik, advogado e Presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville
[6] Selma Ferreira Lemes, Pedro A. Batista Martins e Carlos Alberto Carmona
[7] BARRAL, A Arbitragem e seus Mitos, p. 97
[8] Cf. PARRA, Fundamentos da arbitragem no direito brasileiro e estrangeiro, Revista de Informação Legislativa n. 107.
[9] I Seminário Nacional de Arbitragem, Construção e Infraestrutura, 2013, Belo Horizonte
[10] Selma Ferreira Lemes. Direito e Economia – Agenda Contemporânea, Maria Lúcia Pádua Lima (coord.), São Paulo: Saraiva/DIREITOGV, 2012, tomo 3, p. 372/415. A arbitragem como forma de solução de conflitos contratuais e a sua dimensão econômica.
[11] Brasil. Conselho Nacional de Justiça 2015. Guia de Conciliação e Mediação Judicial: orientação para instalação
de CEJUSC. (Brasília/DF: Conselho Nacional de Justiça).
[12] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=280678
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